E finalmente, após mais 12 duras e intermináveis horas de trem, chegamos ao nosso principal objetivo nesta viagem à Índia : conhecer o Taj Mahal! Mas Agra (a cidade onde fica o monumento) não é só a sede do mais famoso mausoléu do planeta, a cidade tem muitos outros belos templos e a imponente Fortaleza Vermelha. A cidade mais turística do país foi realmente uma boa surpresa e não nos decepcionou!
Bom, comecemos logo pelo principal. Desde que planejamos a volta ao mundo, a Índia entrou em nossos planos desde o princípio e a razão para isto era, principalmente, uma das 7 maravilhas do mundo moderno, o Taj Mahal! A história dele já é bem conhecida, mas a "versão" que ouvimos não foi tão romântica assim. O tal rei, chamado Shah Jahan, realmente construiu o mausoléu em homenagem à sua amada esposa Mumtaz Mahal... a preferida (segundo consta) das suas 3 esposas na época (depois desta teve ainda mais seis...).
Mumtaz Mahal (este na verdade não era seu nome, era apenas um apelido, que quer dizer "joia do palácio") estava grávida de seu décimo quarto filho quando o rei resolveu partir em uma aventura (dizem as más línguas, amorosa...) e, mesmo sabendo que sua esposa estava muito doente pela gravidez, decidiu não retornar naquele momento. Bom, resumindo a novela, Mumtaz morreu durante o parto, sem a presença do rei, o que fez com que ele ficasse louco de remorso e mandasse trazer o melhor arquiteto da Pérsia na época para construir um grande mausoléu em mármore branco para sua amada... e um em mármore negro para ele, claro, que ficaria do outro lado do rio.
Contudo, o seu mausoléu acabou não sendo construído, já que foi deposto do trono por seus filhos e enclausurado na Fortaleza Vermelha, de onde acompanhou a construção do Taj Mahal pelos mosaicos da janela de seu quarto. Reza a lenda também que o arquiteto do projeto foi "convidado" pelo rei a nunca mais sair do país e não fazer mais nenhum projeto pelo resto de sua vida, em troca de muito dinheiro e mordomias... Não acredito que ele tenha recusado... Mas o complexo do Taj Mahal não é "só" o fantástico mausoléu.
A primeira coisa que vemos, assim que adentramos no complexo, é o grande portão principal de entrada, com sua dúzia de cúpulas e detalhes sempre com a temática da arquitetura islâmica persa, com versos do corão transcritos, assim como acontece na entrada do Taj Mahal, que além destes elementos islâmicos, tem também vários símbolos hindus, mostrando o grande sincretismo que existe no país. Atravessando o portão de entrada há um enorme e muito bem cuidado jardim, completamente simétrico (como tudo por lá, aliás) com grande espelho d'água no meio. No meio do caminho entre o portão e o Taj Mahal, temos dois mausoléus menores, onde estão outras esposas do rei.
Bem ao lado do mausoléu principal, encontramos mais dois imponentes prédios idênticos. Um deles, uma mesquita, o outro, supõem-se que tenha sido uma hospedaria. A diferença entre eles é mínima mas importantíssima : a mesquita tem minarete, o outro prédio, não. O próprio Taj Mahal não é perfeitamente simétrico, já que a tumba do rei não tem o mesmo tamanho que o da sua amada...
Agora chega de Taj Mahal, vamos para a segunda principal atração da cidade, a Fortaleza Vermelha de Agra! Morada de vários e importantes imperadores, é um palácio imponente e belíssimo, repleto de jardins internos completamente simétricos, vários salões e centenas de quartos. Lá pudemos ver os aposentos onde o rei Shah Jahan passou seus últimos dias enquanto via a obra de sua vida sendo construída, do outro lado do rio, por diferentes mosaicos presentes nas belíssimas janelas.
Agra, por ser a mais turística das cidades indianas, tem uma estrutura um pouco melhor que as outras que visitamos, com avenidas mais largas, bons hotéis e um pouco menos de sujeira ou bagunça... mas calma, você ainda está na Índia e as vacas continuam pelas ruas, bem como os tuk tuks e carros sem retrovisor! Aliás, por falar em trânsito maluco, desta vez nosso meio de transporte para a cidade seguinte não foi o trem e sim um ônibus de linha regular indiano... mais uma das "experiências típicas" que nosso guia quis que experimentássemos.
Não vamos dizer que foi uma experiência muito diferente. O ônibus era bem velho e desconfortável, mas até aí, aqui no Brasil, já tive oportunidade de andar em veículos do mesmo "porte". O grande problema foi o que aconteceu quando estávamos próximos ao nosso destino! O local em que o ônibus ia nos deixar ficava do outro lado da rodovia, mas a pista em que viajávamos era separada da outra por uma alta mureta. Ocorre que, em um dado momento, surgiu uma pequena brecha nessa mureta, suficiente para passar um ônibus, e nosso motorista simplesmente passou para a outra pista e, por mais de 30 Km, dirigiu no acostamento, na contra-mão e em alta velocidade, apertando a buzina a cada 2 segundos como se ninguém que estava vindo na direção contrária estivesse nos vendo!! Experiências assustadoras no trânsito indiano não faltaram nesta viagem, mas esta, sem dúvida alguma, ganhou de longe das outras! Enfim, chegamos sãos e salvos em nossa próxima cidade, a pacata vila de Tordi Garh... mas este já é assunto para o próximo post!! Até lá!
Nossa para seguinte na Índia, após uma rápida passagem pela capital, foi a cidade mais sagrada para os indianos e uma das 7 cidades sagradas do hinduísmo, que também é sagrada para o budismo e para o sikhismo...ou seja, mal comparando, é uma espécie de Jerusalém dos povos seguidores das "religiões orientais" : Varanasi. Além da, digamos, curiosa e diferente capital mística do país, tivemos uma rápida passagem por uma pequena vila no interior do país (quando se diz "pequena vila" na Índia, entenda-se um local com, no mínimo, uns 50 mil habitantes), um local tranquilo, antigo reinado de um marajá que hoje empresta seu palácio a quem quiser passar umas noites em algum dos aposentos reais e curtir a calma desta região montanhosa, as ruínas de seu castelo no alto do morro e as belas paisagens do alto de suas dunas.
Após uma longa jornada de cerca de 14 horas de trem partindo de Déli (descritas no post De trem pela Índia : uma experiência (in)esquecível!), chegamos à cidade sagrada para as 3 principais religiões do país : Varanasi! Hinduístas, Budistas e Sikhistas têm aqui um importante centro de peregrinação. A cidade, segundo os hinduístas, foi construída por Shiva e tem seu principal templo por lá. É sagrada também para os budistas, pois foi lá que viveu durante muito tempo Sidarta Gautama, o "buda supremo da nossa era" (segundo a religião), e onde fez sua primeira pregação. Para os Sikhs, é o local onde grande parte dos escritos do livro sagrado, chamado Guru Grath Sahib, foram colhidos pelo fundador da religião, o Guru Nanak Dev.
O nome da cidade, que é conhecida também por Benares ou Kashi, tem origem na fusão dos nomes de 2 rios importantes da cidade e que são tributários do famoso e sagrado Ganges : Varuna e Assi. O Varuna ainda está lá, o Assi, hoje em dia, nada mais é que um córrego, onde fica o Assi Gath, uma espécie de "porto", onde ficam os barcos que saem para as "procissões" e aquelas famosas escadarias às margens do rio onde os fiéis vão para se banhar, beber suas águas e "purificar-se". Coloquei a palavra purificar entre aspas porque não acho que aquela água, com mil vezes mais coliformes fecais que a água de um rio comum, seja propriamente purificadora... não pelo menos para quem não segue uma daquelas religiões...
Varanasi é uma das 5 cidades mais antigas do mundo que sempre foram habitadas, desde a sua fundação, há cerca de 5000 anos atrás!!
Bom, as principais atrações da cidade giram em torno de seu principal "personagem" e expoente, o rio Ganges. Todos os principais templos e palácios, as principais cerimônias e rituais, acontecem ali, nas escadarias às suas margens. As famosas cremações são realizadas bem na base das escadarias, quando as cinzas dos corpos são atiradas no rio... quer dizer, se a família tiver recursos para uma, digamos, "cremação completa". Caso seja menos abastada, elas simplesmente ateiam fogo ao corpo e o atiram no rio daquele jeito mesmo, fazendo com que pedaços de corpo flutuando sejam uma cena comum no local...
Infelizmente não pudemos fazer o principal e mais cênico passeio da cidade, o tour de barco pelo rio. Como passamos pela Índia na época das monções, o rio estava em seu nível máximo, impossibilitando as embarcações de circularem, por questão de segurança. Mesmo assim, pudemos ir por duas vezes ao Assi Gath e lá observamos a população local lavando suas roupas, bebendo e banhando-se nas águas sagradas, rezando ou simplesmente sentados nas escadarias e contemplando o movimento.
Mas a experiência mais interessante foi, sem dúvida alguma, a cerimônia que pudemos presenciar nas escadarias do templo de Assi Gath, às margens do Ganges. Todos começam a se concentrar nas escadarias no finalzinho da tarde, tomando o seu lugar, que em alguns minutos já estaria completamente tomado de indianos e turistas. Assim que escureceu, um rapaz , ao redor dos 20 e poucos anos, chegou carregando uma espécie de incensário e um sino, que tocava em ritmos regulares.
Parecia que estava em transe! Não piscava e em sua expressão facial não se via mover sequer um músculo. Ficava apenas movimentando o maço de incensos e tocando o sino, periodicamente. Enquanto isso, várias pessoas entoavam uma espécie de "hummmm" , outras ficavam simplesmente em silêncio, de olhos fechados, outros rezando, outros se purificando no rio, algumas crianças correndo e brincando... enfim, foi realmente uma experiência bem interessante! Na saída, todos recebiam um ponto de tinta vermelha no meio da testa, na região do que eles dizem ser o "terceiro olho", significando a união do consciente com o sub-consciente, que pode ser atingida através da meditação. Esse pontinho é chamado tilak.
Nesse dia tivemos a oportunidade de voltar para nosso hotel de tuk tuk... até aí, nenhuma novidade se não fosse pelo fato do nosso transporte não ter farol, não ter buzina, não ter retrovisor e estar com o vidro dianteiro quebrado! Ah, detalhe : era noite e o trânsito era o pior que encontramos em toda a viagem, até mesmo quando comparado ao Vietnã. O nosso motorista, que devia ter uns 70 anos de idade, simplesmente enfiava a cabeça para fora do tuk tuk e sabe-se lá como ia ultrapassando, um a um, pessoas, vacas, tuk tuks, carros e postes. Olha, essa foi a segunda vez na viagem que corremos um sério risco de não voltar para casa!
Ainda às margens do Ganges pudemos participar de mais outra cerimônia típica, o "Ganga Aarti". O Aarti é uma cerimônia em que o indiano agradece à deusa Ganga (que nada mais é que o próprio rio Ganges) a luz e sabedoria diariamente oferecidas. Para isso, são atiradas ao rio pequenas flores contendo uma vela em seu interior. Milhares delas são liberadas todos os dias, ao pôr-do-sol, formando um cenário belíssimo, com muita luz e cor. As flores são lançadas a partir de barcos, mas como eles ainda estavam impedidos de desancorar, fizemos o ritual a partir do atracadouro mesmo.
Já um pouco mais afastada da cidade de Varanasi, a cerca de 15 Km, fica cidade de Sarnath, famosa na Índia por ser sede das principais universidades religiosas do país e ser o local onde o buda Sidarta Gautama fez a sua primeira pregação.
No local há um templo budista chinês em que a história do budismo na região é toda detalhada e explicada. Próximo a este local está uma reconstrução de um antigo e importante templo budista, o Mulgandh Kutti Vihar , que fica próximo a uma árvore sagrada que, reza a lenda, foi plantada com uma muda da árvore original, localizada em Bodh Gaya, onde o buda teve sua iluminação, há 2500 anos atrás. O templo tem ares de modernidade e seu interior não tem nada de espetacular, a não ser o calor insuportável abrandado por pequenos ventiladores ao longo na nave central. Ao lado do templo está a árvore sagrada, que oferecia, além de toda sua mística, uma boa e relaxante sombra!
A uns 200 metros dali está o monumento mais importante da cidade e um dos mais importantes do budismo em todo o mundo, a estupa de Dhamekh, que marca o local onde o buda Gautama fez a sua primeira pregação e, por isso, é local de intensa peregrinação budista no país. O monumento original era datado de, aproximadamente, 250 a.C. mas foi reconstruído em 500 d.C.
Para finalizar o tour religioso pela região, visitamos um templo muito importante para outra religião de origem indiana e considerada uma das mais antigas do mundo, o jainismo. Nossa estadia em Varanasi terminou em um movimentado mercado de seda, onde a Pati pode adquirir belíssimas peças por um preço bem em conta!
E terminamos por aqui nossa passagem pela chuvosa, quente, úmida e mística Varanasi; agora é pegar novamente o trem e rumar em direção à atração turística mais famosa do país : Agra e o imponente Taj Mahal!!
Antes mesmo de iniciar nossa viagem, ainda na fase de planejamento, decidimos que iríamos visitar a maior parte dos países por conta própria. Várias razões justificavam essa decisão : uma maior oportunidade de penetrar com mais profundidade na cultura local, mais liberdade para ficar o tempo que quiséssemos em um local interessante, ou menos em um que não nos agradasse, economia de fundos, enfim, só víamos vantagens na "viagem solo" em uma turnê tão longa.
Mas toda regra tem sua exceção e a Índia, por tudo que ouvíramos falar a respeito antes da nossa viagem começar, era um país que faria parte deste grupo! Seja quem amou, seja quem odiou o país, era unânime em afirmar que se deslocar por este imenso país sem o suporte de algum "local" ou de uma agência especializada era pedir para ter dor de cabeça. Sendo assim, contratamos um tour nestas 2 semanas em território indiano. Nosso espírito aventureiro restante, entretanto, não nos permitiu contratar um tour tradicional, em hotéis confortáveis, transportados em ônibus com ar condicionado, voando sempre de avião... Contratamos um tour com uma agência australiana chamada Geckos, especializada em uma espécie de "turismo de imersão", em que os hotéis são mais simples, visitamos locais que as agências de turismo regulares não costumam frequentar, temos muito contato com a população local e... utilizamos os transportes básicos locais!! E entre tuk tuks, riquixás, ônibus e jipes, estão também os trens... para nossa "alegria"!
Bom, nossa primeira experiência foi o percurso entre Nova Delhi e Varanasi, de aproximadamente 790 Km de distância. Toda confusão já começou na chegada à estação de trem, quando (pela primeira de inúmeras vezes) fomos "salvos" pelo nosso guia. Assim que descemos da van que nos levou ao terminal de trens, logo fomos abordados por vários indianos que perguntavam : "Estação de trem? Não é aqui não, é por ali...", diziam apontando para a direção oposta ao caminho que deveríamos seguir, com nossas malas e mochilas. Não sei se havia alguma intenção de violência, provavelmente seríamos guiados até alguma loja onde tentariam nos vender a mais diversa sorte de tralhas e quinquilharias, mas só pelo fato de nos darem uma informação errada, sem sequer termos pedido, já nos deixou com um pé atrás pelo resto da viagem. Como disse, nosso guia surgiu no meio da multidão e nos "resgatou".
A estação de trem é também mais uma "armadilha para turistas independentes", a começar pelas placas de orientação; as poucas que existem estão penduradas por fios de arame e estão escritas somente em sânscrito!! Sem o guia seria realmente impossível descobrir qual das dezenas de plataformas era a correta e perguntar para alguém já havíamos aprendido que não era uma boa ideia. Aliás, a sorte realmente sorri para alguns. Neste mesmo dia vimos um coreano, sozinho e com uma cara de desespero, olhando para a sua passagem e tentando decifrar qual a plataforma correta para seu embarque. Vocês devem imaginar a cara de felicidade dele ao ver aquele monte de estrangeiros chegando! Com a ajuda de Guru (nosso guia) ele conseguiu descobrir que seu trem ficava na plataforma ao lado, era só atravessar os trilhos... "Atravessar os trilhos?? Mas e essa passarela, não dá para ir por ela?", perguntou o incrédulo coreano, sem saber que a passarela é muito mais segura, mas não é a menor distância entre dois pontos em uma estação de trem indiana... "Dá, mas por que você vai usá-la? É só seguir por aqui!", respondeu Guru, apontando para os trilhos, sem entender a lógica oriental daquele perdido coreano... Depois de uma volta ao mundo você consegue entender como duas pessoas podem estar certas... estando erradas!!
Bom, voltando à nossa plataforma, não precisamos dizer que estava lotada de gente, certo? Pontualmente (sim, para sair o trem é extremamente pontual!) chegou nosso trem. Sabe aqueles trens indianos que vemos nos filmes? Então, era um desses! Caindo aos pedaços, com toda lataria de um azul enferrujado, era dividido em primeira, segunda e terceira classes. A terceira é a que vemos nas revistas da National Geographic, com pessoas entrando pelas janelas e se apertando em 6 ou 8 pessoas em bancos onde mal cabiam 2! Isso sem contar os que vão em pé. Como entramos logo, não deu para ver se foram passageiros no teto... Na segunda classe a única diferença é que as janelas não foram arrancadas e as pessoas não conseguem entrar por ela (a não ser as muito, muito magras!). A primeira, que era a nossa, era formada por vagões-leito, com ar condicionado e uns bancos formando beliches, que eram as camas, e tinham cerca de 1,75 metros... bom, essa é altura da Pati e 10 cm menor do que a minha! Resultado: o pouco sono que tive durante a viagem era constantemente interrompido pela cabeça de algum indiano colidindo com meus pés!
Mas não era só esse o único impedimento para um sono tranquilo. Primeiramente, a luz permanece o tempo todo acesa, por questão de segurança. Aliás, por questão de segurança, fomos orientados a :
- prender com cadeados nossas mochilas a alças próprias para isso, localizadas na parte de baixo das "camas" (os próprios indianos tomam essa precaução)
- fechar as cortinas durante a noite e cobrir-se, mesmo se estivesse calor, especialmente as mulheres. Nesse caso, explicou-nos Guru, era para evitar a cobiça dos homens indianos. Se eles não conseguem saber se é um homem ou uma mulher embaixo das cobertas, não ousam mexer... mas se vêem uma perna feminina exposta... Aliás, por este mesmo motivo, recomendavam às mulheres não irem desacompanhadas ao banheiro do trem durante a noite... Tranquilizador não?
Por falar em banheiro, este é um capítulo a parte... Seguindo o padrão asiático, o banheiro nada mais é que um buraco no chão do trem, com acesso direto aos trilhos! Mas não sei se por preguiça, urgência, deficiência visual ou simplesmente hábito, o buraco não era o alvo preferido dos dejetos líquidos ou sólidos... Mas ele era limpo ao longo do percurso, por 2 vezes em 14 horas!! Aqui também cabe uma curiosidade interessante. Logo após uma das paradas, surgiu, como um raio, um rapaz com uma vassoura, um pano molhado e um saquinho de lixo. Nossos pés foram rapidamente varridos e molhados, o lixo recolhido e ele desapareceu 15 segundos após. Mais 30 segundos se passaram e, tão rápido quanto o limpador, aparaceu o pesquisador! Sim, um papelzinho com uma pesquisa de satisfação a respeito da limpeza do trem nos era fornecido para preencher (bem rapidamente), enquanto o rapaz ficava monitorando a resposta... por via das dúvidas todos deram nota máxima, vai que ninguém mais limpasse o nosso lado por vingança contra uma nota baixa! Bom, todos deram 10 e nenhum limpador apareceu novamente nas 7 horas seguintes...
Mas mesmo com todo esse "esforço" do pessoal da limpeza, o trem é bem sujo e o motivo é o mesmo de sempre : o hábito arraigado na cultura local de atirar sujeira no chão. Nosso guia mesmo, bem mais habituado aos "hábitos ocidentais", amassou o pacote de papel onde vinham os lençóis e atirou no chão, bem no meio do corredor. Indignada, uma australiana que estava no nosso grupo o advertiu e recebeu como resposta : "Não se preocupe, alguma hora alguém passa e recolhe o papel".
Aliás, a palavra dentro de um trem indiano é essa : passar! O tempo todo, seja lá qual for o horário, você pode encontrar alguém passando pelo corredor, em alguns momentos até mesmo com congestionamento! Vendedores de chai (o chá com leite e canela que domina o país), de bugigangas, de jornais, de comida... Isso quando não resolvem tirar todo o atraso de conversa em frente à sua "cama"... ou cantar músicas tradicionais indianas e tocar violão, às 03 da manhã... Na verdade, a única coisa que não passa dentro do trem é o tempo!!
Foram 3 viagens de trem, nesses 15 dias por lá, e em cada uma tivemos um aprendizado diferente; acho até que se houvesse mais uma não sofreríamos tanto, já conhecendo as "manhas". De qualquer modo, foi uma experiência das mais diferentes que tivemos e que atendeu bem ao nosso objetivo de imersão na cultura local e nos ajudou a entender um pouco mais como vivem os habitantes deste país, diferente de tudo que conhecemos até hoje!
A Índia, definitivamente, não foi um país que nos encantou. Não fomos "pegos de surpresa" pela extrema pobreza escancarada nas ruas, a sujeira e poluição, o trânsito caótico, a falta de higiene no preparo dos alimentos; estávamos mais do que cientes de tudo isso e preparados para encarar uma realidade bem diferente da nossa e do que vínhamos encontrando até então. Mas, ainda assim, fomos surpreendidos quando chegamos... e não foi positivamente!
A Índia não se mostrou o país acolhedor que imaginávamos. Na maioria das vezes os indianos estavam com cara fechada e poucas palavras, tínhamos certa dificuldade para conseguir informações quando precisávamos de alguma (isso quando não davam a informação errada e te mandavam para alguma loja ou comércio, onde ganhavam comissão por enviar um "cliente"!) e por diversas vezes tentaram nos aplicar golpes ou enganar, especialmente os taxistas! Na volta para o Aeroporto, quando estávamos saindo do país, por exemplo, pegamos um táxi às 03 da manhã, previamente pago no hotel. O taxista não só tentou nos cobrar novamente, como queria nos levar para "fazer compras" naquele horário e, chegando ao aeroporto, teria deixado-nos no terminal errado (se não estivéssemos atentos), só por que era mais perto!! Aliás, todas as vezes que precisamos pegar um táxi na Índia, foi uma aventura! Lá foi, também, o único país dos 32 que visitamos em que sofremos tentativa de furto... ainda bem que nada aconteceu e ficamos bem!
A educação também não é uma virtude por lá! Furar filas é hábito comum, assim como é na China, e sujar as ruas é quase um ato religioso! Sim, não estou exagerando nem sendo irônico, explico : como todos sabem, na Índia os porcos e especialmente as vacas são animais sagrados e podemos encontrá-los passeando pelas ruas (e muitas vezes dormindo no meio delas) mesmo nas grandes metrópoles como Nova Délhi. Os comerciantes consideram um sinal de grande sorte e prosperidade se algum deles resolve parar em frente ao seu estabelecimento... é lucro certo!
Sendo assim, os indianos jogam todo seu lixo na rua na expectativa de que alguns desses animais dê uma paradinha na frente da sua loja e atraia muitos clientes... acho que dá para imaginar o resultado desse raciocínio em um país com mais de 1 bilhão de habitantes!! A sujeira é realmente muito, muito grande e o hábito que os indianos tem fazer suas necessidades (número 1 e número 2) nas ruas não contribui para melhorar... O cheiro só não é insuportável porque há incensos por toda parte!!
Bom, feitas as devidas apresentações, vamos começar a escrever sobre a nossa primeira parada neste país/continente, em sua capital, Nova Délhi. Como toda metrópole de países com grande desigualdade social e muita pobreza, a cidade é caótica. O trânsito é tomado por carros caindo aos pedaços e muitos tuk tuks. Aliás, aqui cabe uma curiosidade, muitos carros lá não tem espelho retrovisor!! Isso mesmo, você leu direito! A buzina substitui este item "de luxo"; buzina-se para avisar que está atrás, que está ultrapassando, que já ultrapassou... é realmente incrível o tanto que eles emitem sons... e mais incrível como não acontecem acidentes a cada minuto, só pode ser coisa dos deuses!!
Por falar em deuses, outra decepção nossa no país foi relacionada à religião. Aquela imagem de país místico e religioso, que tínhamos antes de chegar por lá, perdeu-se no primeiro momento em que vimos os dalits jogados em frente aos templos sendo completamente ignorados pela grande maioria da população; com muita sorte um ou outro jogava um pão ou uma moeda no meio deles... a religião na Índia virou uma forma de segregação econômica e social que está muito enraizada e contribui muito, ainda hoje, para fazer deste um dos países mais ricos do mundo e ao mesmo tempo um dos mais miseráveis em termos de desenvolvimento humano. Isso sem falar que na região norte, onde fica Délhi, ainda há uma forte disputa entre os muçulmanos e os hindus.
Já que o tema é religião, podemos dizer que as atrações mais interessantes na cidade são relacionadas ao tema. Começamos nosso "rolê" pela capital indiana na maior mesquita do país, a Jama Masjid. Localizada próxima a outra atração da capital (a Fortaleza Vermelha), este é um belíssimo exemplo da arquitetura que domina o cenário na Índia, a arquitetura persa. Lembrando muito mais os mausoléus indianos, esta mesquita tem os elementos tradicionais islâmicos como os minaretes, misturados aos detalhes típicos das construções dominantes na Índia e a coloração vermelha, espalhada por toda aquela região. Mesmo não sendo o local mais limpo do mundo, lá você não pode entrar com sapatos e deve cobrir as pernas e ombros... bom, eu e a Pati ficamos de meia...Bem próximo dali fica outra atração da cidade, menos turística, mas mais interessante : a velha Délhi e o mercado de especiarias.
A capital tem esse nome (Nova Délhi) justamente por que existe uma velha Délhi, que nada mais é que a região central da cidade, onde tudo começou. Ruas muito estreitas, repletas de gente por todos os lados, cabos de telefone e de eletricidade formando verdadeiras teias dominando o pouco espaço aéreo existente entre os antigos e destroçados edifícios, a tradicional sujeira nas ruas misturada a oferendas e "patuás" em frente aos inúmeros estabelecimentos comerciais... enfim, não parece ser um local muito "turístico", mas foi muito bom para sentir a Índia como ela realmente é.
Seguindo por estas ruas estreitas, chegamos ao mercado de especiarias de Chandni Chowk, um dos mais antigos do mundo (segundo o que dizem por lá), o mercado da velha Délhi. Trata-se de uma rua repleta de ambulantes e lojas vendendo a mais diversa sorte de temperos, frutas, sementes, ervas, enfim, tudo aquilo que nos proporciona até hoje um upgrade no sabor das nossas refeições. Para variar, a higiene não é o forte do local. Inúmeras moscas permanecem tranquilamente repousadas sobre sementes de cardamomo, tâmaras e algumas ervas aromáticas. Há, aliás, um mictório a céu aberto ao lado das barracas. O cheiro só é tolerável por que há grande quantidade de incensos acesos por todos os lados.
Seguindo um pouco mais adiante e chegamos na atração que foi, na nossa opinião, a experiência mais interessante na capital, a visita ao templo Sikh de Gurudwara Bangla Sahib, o maior da capital e um dos mais importantes no mundo para os seguidores desta religião, que possui uma das maiores quantidades de seguidores em todo o mundo. Para quem não está familiarizado, esta religião é resultado de um sincretismo entre islamismo e hinduísmo e seus seguidores são reconhecidos por aqueles enormes turbantes que escondem a (enorme) cabeleira, além das portentosas barbas. Religião monoteísta, é baseada nos ensinamentos dos 10 gurus.
O templo é bastante bonito, caracterizado por suas cúpulas douradas e tem em seu interior muitos detalhes de grande riqueza, com colunas e paredes muito brancas, feitas de mármore. Ao mesmo tempo em que há todo esse luxo, o templo é aberto a qualquer um que queira visitá-lo e... comer à vontade! Isso mesmo, seja rico ou seja pobre, você pode ir ao refeitório comunitário do templo e alimentar-se até sentir-se saciado. Neste local você recebe uma bandeja de metal e senta-se no chão, sobre um tapete. Logo em seguida, passa um dos voluntários do templo arremessando (e é essa a palavra mais precisa) um pão e uma espécie de purê de alguma coisa que não faço ideia do que seja, que espirra para todos os lados. Não chegamos a experimentar para dizer se era bom ou não, já que a Pati ainda estava passando mal após nossas primeiras refeições por lá e ainda tínhamos muitas horas de trem para encarar... não dava para arriscar!!
Saindo de lá, fomos até a maior rotatória do país, a Connaught Circus; em seu centro localizava-se um grande e escuro bazar de roupas e bugigangas indianas, onde a Pati pode comprar sua tão procurada bata. De lá ainda poderíamos ter a opção de visitar 2 outras atrações próximas, famosas na cidade, o "mini-Taj Mahal" chamado de Tumba de Humayun, que fica próxima à outra atração, a Porta da Índia. Neste dia já estávamos tão cansados da viagem, impressionados com todo o choque cultural e com o calor gigantesco (era o auge do verão...), além de não estar muito a fim de nos aventurar em um tuk tuk no centro de Nova Délhi, que decidimos voltar para o hotel e descansar um pouco, mas não antes sem comer um "delicioso" Mc chicken curry e um Mc veggie, já que lá, por razões já citadas anteriormente, não há carne bovina nem suína...
Bom, essa foi nossa introdução a este país que ainda seria nossa casa por mais 11 dias, ainda tinha muita coisa por vir, a começar pela longa viagem de 14 horas de trem até Varanasi, mas esta é história para o próximo post!!
Sem dúvida alguma, esta é a região do mundo que produz os pratos mais exóticos, com as combinações mais estranhas que alguém possa imaginar! Temperos que só existem por lá, misturas agridoces quase sempre presentes, muitas cores, aromas e sabores... além da boa e velha "picância", tradicionalmente presente nos pratos desta região do mundo! Enfim, se você encara a gastronomia como uma experiência multi-sensorial e quer novas sensações, este é o lugar do planeta que você deve procurar!
Vamos começar pelo país de culinária do sudeste asiático mais apreciada no mundo e a mais (talvez única) conhecida no Brasil, a Tailândia. A comida tailandesa é "moda" há muito tempo, mas acredite, o que se come com este título no Brasil lembra muito pouco o que realmente se encontra por lá. A grande "estrela" é o pad thai. Prato mais tradicional da culinária local, é relativamente simples, composto pelo onipresente macarrão de arroz frito, com ovos mexidos, temperos, castanha moída e molho de tamarindo, acompanhado de peixes, frango, carne de porco ou camarões. Comemos inúmeras vezes e não dá para cansar dele nunca!
Outro prato que comemos muito por lá foi o gai pad, feito com frango ou carne de porco em pedaços fritos, com muitos condimentos e temperos locais, lascas de pimentão e um molho que variava entre peixe e ostras. Muito colorido, apimentado e saboroso. Isso sem falar nos curries, amarelo, vermelho e verde, também acompanhados de carne de frango ou suína. Para quem gosta de comida muito (muito mesmo) apimentada, estas são opções que ninguém deve perder! Pratos de arroz frito servidos dentro de frutas, combinados com manga, abacaxi, pimentões, coentro e molhos de frutos-do-mar também completam o cenário.
O norte do país tem uma culinária um pouco diferente, mais condimentada, com muitos legumes e verduras, que não costumam usar tanto mais ao sul. Chiang Mai, no extremo norte, é considerada o principal centro gastronômico do país. Além disso, lá podemos encontrar também os famosos insetos fritos. Escorpiões, baratas, aranhas... todos vendidos como se fossem "pipoca", em saquinhos. Nem em filmes de terror dá para comer um snack desses!! Não tivemos coragem nem vontade de experimentar estas delícias...
Outro país que tem uma culinária muito famosa e cobiçada na região é a Indonésia. Ainda praticamente desconhecida no Brasil, a culinária do país já é bastante apreciada na Europa e restante da Ásia, principalmente pela qualidade e fartura de sabores, texturas e aromas. O carro chefe da cozinha local é o Nasi Goreng, que quer dizer, literalmente, arroz frito! E é exatamente isso... mas não só! Geralmente acompanhado de um ovo estrelado, temperos locais, carnes (peixe, frango, camarão ou porco) e vegetais crus. Para completar a mistura de texturas e sensações, é servido com krupuk, que são "chips" de camarão, e "satays", que são espetinhos embebidos em um molho agridoce e que podem ser de frango ou carne de porco.
Os pratos na Indonésia são sempre muito fartos... e muito baratos! Come-se entrada, prato principal, sobremesa e bebida (cerveja, para aplacar o grande calor!) por cerca de 7 dólares por pessoa!! Apesar de ter muitos elementos em comum, a culinária indonésia é bastante diferente da tailandesa e, tenho certeza, assim que chegar ao Brasil vai ser um sucesso!
Agora, sem dúvida alguma, os melhores pratos da região provamos no Vietnã... e os piores também! A culinária vietnamita já é muito apreciada na Europa, especialmente na França, colonizadores do país por várias décadas; mas recentemente vem crescendo muito ao redor do mundo e tem seus pratos presentes nos melhores restaurantes.
Como dissemos, a cozinha do país produz pratos fantásticos e pratos medonhos! Parte da culinária do país tem muita influência da culinária chinesa, como o tradicionalíssimo Pho.
O Pho nada mais é que uma sopa composta por noodles de arroz, carne de frango, porco, peixe ou camarões, legumes e brotos de vegetais...sempre muito quente, sem gosto e sem graça! Tomamos algumas vezes, em uma delas em um restaurante que até o Bill Clinton tinha visitado, mas em nenhuma delas ficamos impressionados com o sabor (na verdade, a falta dele). Para quem gosta de comida sem sabor mas com várias texturas, vale a pena experimentar; não foi o pior prato que experimentamos na viagem, mas não nos despertou nenhuma sensação diferente, de destaque... mas vai saber, é tudo uma questão de gosto, certo?
Agora, vamos para o outro lado da moeda, a culinária vietnamita de influência européia!
Do mesmo modo que os vietnamitas têm forte influência dos invasores chinesas, também têm dos invasores franceses! E é justamente aí que a gastronomia se destaca. A mistura de sabores que essa fusão proporcionou não tem similares em nenhum dos lugares que visitamos ao redor do mundo. Os tradicionais noodles de arroz frito estão presentes, bem como os molhos agridoces... mas ao invés do clássico tamarindo, encontramos maracujá e mel; ao invés da carne de porco e frango, experimentamos pato... manteiga ao invés de óleo... manga nas saladas, enfim, é tanta mistura de sabores e cores que só de lembrar já começamos a salivar!!
O prato mais típico, no entanto, é o rolinho primavera vietnamita. Diferentemente dos que comemos na China ou no Vietnã, o típico rolinho do país não é frito; na verdade praticamente todos seus componentes são crus! Tivemos até uma aula de como fazê-los, e é bem simples: pega-se uma fina folha de papel de arroz e nela colocamos os legumes fatiados e vegetais, além dos camarões (cozidos). Parece até sem graça, mas acompanhado do molho agridoce à base de mel e pimenta, fica simplesmente sensacional!!
Outra vantagem da influência francesa na culinária vietnamita são os doces! Na Ásia oriental como um todo, incluindo aí Japão e China, não encontramos muitos doces e os que apareciam eram, no mínimo, estranhos ao nosso paladar, como os doces de feijão e chá verde do Japão. Mas os franceses souberam aproveitar bem a grande variedade de frutas existentes na região e, misturados aos métodos locais, desenvolveram delícias como esta torta de manga que virou a sobremesa número 1 da Pati durante a viagem! É claro que nosso paladar está muito mais adaptado aos costumes e pratos ocidentais, mas não tem como negar que esta mistura que os vietnamitas conseguiram fazer torna sua culinária uma das mais cobiçadas pelos amantes da boa comida mundo afora!
Em relação às bebidas, não experimentamos nada muito diferente nesta região do mundo, ficando mais na cerveja mesmo. Como já dedicamos um post específico só para as diferentes marcas desta bebida ao redor do mundo, incluindo aí o Sudeste Asiático, não vamos repetir novamente por aqui, deixando mais espaço para falar sobre um destaque local : o café!
O Vietnã é o segundo maior produtor mundial da bebida, atrás apenas do Brasil, mas a variedade mais consumida por lá não é a mesma que apreciamos por aqui e na Europa (a arábica). O robusta é uma variedade mais forte, encorpada e amarga e por lá é preparada de uma maneira bem peculiar. A bebida é colocada dentro de um compressor, bem quente, que deve ser empurrado para filtrar a bebida, que cai na xícara. Pode ser servido com leite condensado, fica uma delícia! Ainda sobre cafés, não podemos esquecer do famoso Kopi Luwak, da Indonésia, o café mais caro do mundo! Produzido a partir dos grãos não digeridos pelas "doninhas" locais e que são eliminados pelas fezes, tem um sabor muito curioso e marcante!
Bom, terminamos nossa experiência gastronômica por este mundo exótico certos de que ainda há muito a explorar e aprender por lá... com certeza voltaremos para descobrir muito mais!!